Nos últimos anos, temos acompanhado um movimento crescente de empresários brasileiros buscando não apenas diversificar seus investimentos no exterior, mas também alterar seu domicílio fiscal. Essa tendência está associada à busca por maior segurança jurídica, estabilidade econômica e planejamento sucessório mais eficiente. No entanto, essa mudança, quando não é feita de forma estruturada e coerente, pode trazer riscos relevantes — especialmente no que se refere à tributação da renda global pelo Brasil. Além disso, o país também tributa doações e heranças: bens localizados no Brasil estão sujeitos ao ITCMD mesmo quando os beneficiários são estrangeiros, e bens no exterior podem ser tributados se o donatário ou herdeiro for residente fiscal no Brasil.
O ponto de partida é compreender que o Brasil adota o princípio da tributação universal da renda. Ou seja, a pessoa física residente fiscal no Brasil deve pagar imposto sobre rendimentos auferidos em qualquer lugar do mundo, independentemente de terem sido ou não remetidos ao país. Isso vale inclusive durante os primeiros 12 meses de ausência do território nacional, conforme entendimento da Receita Federal, período em que o contribuinte permanece residente — salvo se houver a formalização da Declaração de Saída Definitiva do País.
De acordo com a Instrução Normativa SRF nº 208/2002, e conforme interpretação firmada na Solução de Consulta COSIT nº 299/2014, uma pessoa física é considerada residente no Brasil, para fins fiscais, quando reside em caráter permanente — e essa análise vai muito além da mera formalidade.
Segundo a Receita, a residência em caráter permanente pressupõe uma permanência estável e duradoura, em função de laços familiares, logísticos, profissionais ou patrimoniais. O elemento subjetivo central é a intenção observável da pessoa de permanecer vinculada àquele local. Assim, ainda que a permanência física no território nacional não seja ininterrupta, a manutenção de laços relevantes pode levar à caracterização da residência fiscal.
O entendimento da Receita Federal é claro: não basta apresentar a Declaração de Saída Definitiva para cessar a condição de residente fiscal. É necessário que a saída do país seja acompanhada de ruptura concreta de vínculos relevantes, como, por exemplo: ter filhos matriculados em escolas no Brasil; manter imóvel residencial de uso habitual; possuir investimentos ou patrimônio significativo no país; visitar o Brasil com frequência e por longos períodos; manter a família no território nacional.
Esses elementos reforçam o âmbito material da análise, que prevalece sobre o aspecto puramente formal. No caso analisado na SC COSIT nº 299/2014, mesmo com atividade profissional preponderante no exterior e moradia formal em outro país, a Receita considerou o consulente residente no Brasil, em razão da manutenção de vínculos familiares e patrimoniais no país.
A consequência prática da desatenção a esses critérios é o risco de exigência retroativa de tributos sobre a renda mundial, multas e juros e até bitributação internacional, sobretudo nos casos em que o Brasil não possui acordo com o país de destino para evitar a dupla tributação.
Além disso, o contribuinte que mantiver bens no Brasil — mesmo após a formalização da saída — poderá continuar sujeito ao ITCMD sobre doações e heranças, conforme as regras constitucionais pertinentes e a entendimento administrativo de fiscos estaduais.
A mudança de domicílio fiscal precisa ser planejada de forma técnica, considerando os aspectos jurídicos, econômicos e familiares, além da realidade material vivida pelo contribuinte. A coerência entre a declaração formal e a vida concreta é o elemento central para afastar riscos de autuações e exigências fiscais inesperadas. Em tempos de mobilidade internacional crescente, o planejamento patrimonial e tributário adequado se torna não apenas desejável — mas indispensável.
Por: Dra. Bruna Nakamura Moser